As mudanças aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) para o Ensino Médio, que preveem um modelo de currículo dividido em áreas - ciência, tecnologia, cultura e trabalho - devem causar um efeito cascata, culminando com modificações profundas no vestibular. O novo Ensino Médio visa a uma formação para o mercado de trabalho, enquanto a avaliação da maioria dos vestibulares prioriza o currículo do conteúdo completo, avaliam especialistas.
Na prática, a escola que quiser aderir ao projeto vai poder optar por uma das quatro áreas de atuação: ciência, tecnologia, cultura e trabalho. Cada escola escolherá sua vocação, por meio do "diálogo" entre corpo docente, alunos, redes de ensino e as comunidades locais.
Em cada área, algumas disciplinas serão mais destacadas do que outras. Na escola cultural, por exemplo, conteúdos como história, geografia e literatura terão mais ênfase. Já disciplinas como matemática, física e química serão abordadas de uma forma que faça sentido para uma formação de cultura.
O psicopedagogo, jornalista e pesquisador da área educacional da Universidade Federal Fluminense, Eugênio Cunha, afirma que a mudança é o primeiro passo no longo caminho para melhorar a realidade do ensino no Brasil. Mas também destaca que não adianta preparar o aluno para o mercado de trabalho na escola e depois o submeter a uma prova de pura "decoreba", que vai definir se ele ingressa ou não na universidade.
Ramos, presidente do movimento Todos pela Educação, concorda e fala que as universidades devem começar a considerar uma modificação no seu tipo de avaliação. "O tipo de prova do Enem está muito bem casada com as mudanças no Ensino Médio. Os dois juntos funcionam", afirma.
O resultado de desempenho do último Enem, do ano 2009, comprova a tese. Atrás das escolas privadas, que lideram o topo do ranking, todos os estabelecimentos públicos são técnicos, ou seja, com ênfase em alguma habilidade. Entre as mil escolas da lista, apenas 88 são públicas, em que 60 delas são federais, 26 estaduais e apenas duas municipais. Porém, entre essas instituições, todas são técnicas ou coordenadas por universidades, onde ambas tem uma educação voltada para o mercado, como o projeto aprovado pelo CNE. Com uma prova que exige do candidato menos memorização e mais demonstração da sua capacidade de raciocínio, o Enem tem como objetivo avaliar as habilidades e competências do estudante.
Sobre a necessidade de as universidades terem ou não de mudar suas provas no vestibular, a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) não quis se pronunciar e afirmou que vai estudar o caso antes de tomar uma posição. Apesar disso, algumas instituições já adotam modelos de prova parecidas com a do Enem, que são denominadas por Ramos como o "novo modelo de vestibular".
Exemplo disso é a Fundação Universitária para o Vestibular (Fuvest), que desenvolve a prova para a Universidade de São Paulo (USP). Na primeira etapa da avaliação, são 90 questões interdisciplinares.
Na segunda, os candidatos são cobrados pelas matérias ligadas à área de conhecimento do curso escolhido. De acordo com a carreira pretendida, os vestibulandos devem fazer testes discursivos de História, Química, Geografia, Biologia, Física, ou Matemática. Somente as provas de português e redação valem para todos os cursos. As carreiras de Música, Artes Plásticas, Artes Cênicas, Audiovisual, Esporte, Arquitetura e Design ainda tem provas de aptidões e habilidades específicas.
Outro exemplo é a Fundação para o Vestibular da Universidade Estadual Paulista (Vunesp), da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), que também segue o mesmo modelo de avaliação do Enem. "Se os vestibulares permanecessem com esse modelo pautado pelo conteúdo apenas, sem levar em conta habilidades e competências, essas novas diretrizes do ensino médio certamente não teriam nem vingado", adianta Ramos.
"Aquilo não significa nada para o aluno"
"Atualmente, as escolas ensinam química e aquilo não significa nada para alguns alunos, é um conteúdo muito distante da realidade dele. A mudança proposta por nós visa dividir as escolas por áreas de interesse e ensinar para o estudante uma química sobre a perspectiva do mercado. Ou seja, uma química que faça sentido para ele, que ele saiba que vai usar durante a vida", explica Mozart Neves Ramos, presidente do Todos Pela Educação e membro do CNE, que aprovou por unanimidade o projeto, que ainda precisa ser homologado pelo ministro da Educação, Fernando Haddad, para entrar em vigor.
"Atualmente, as escolas ensinam química e aquilo não significa nada para alguns alunos, é um conteúdo muito distante da realidade dele. A mudança proposta por nós visa dividir as escolas por áreas de interesse e ensinar para o estudante uma química sobre a perspectiva do mercado. Ou seja, uma química que faça sentido para ele, que ele saiba que vai usar durante a vida", explica Mozart Neves Ramos, presidente do Todos Pela Educação e membro do CNE, que aprovou por unanimidade o projeto, que ainda precisa ser homologado pelo ministro da Educação, Fernando Haddad, para entrar em vigor.
O objetivo da mudança é melhorar o cenário do ensino médio, que é visto como a etapa mais problemática da educação básica, devido aos altos índices de evasão. Segundo pesquisa do IBGE de 2009, 40% dos jovens de 15 a 17 anos abandonam a escola por desinteresse, e 27% por razões de trabalho e renda.
Além disso, dados do movimento Todos Pela Educação, publicados em dezembro do ano passado, mostram que somente 11% dos estudantes que terminam o terceiro ano do Ensino Médio estão tendo aprendizado apropriado em matemática, e cerca de 28% se formam com conhecimento de português.
O fundador do Instituto Crescer para a Cidadania, Dilermando Allan Filho, vê nas novas diretrizes o início de uma grande transformação, que permitirá ao jovem estar mais preparado para o mercado de trabalho. Apesar disso, enxerga nos pais, que acreditam que o ensino médio é somente uma preparação para o vestibular, o principal desafio.
"Uma pergunta simples que faço para quem tem dúvidas sobre a mudança é: quantos de vocês se lembram de como podemos identificar quando um movimento é retilíneo uniforme ou uniformemente variado? Provavelmente poucos que não seguiram a carreira de exatas. Ou seja, do que valeu todo o esforço do professor para explorar este conteúdo? Por que todos os alunos precisam aprender exatamente as mesmas coisas?", questiona.
Para Antônio Sérgio Martins de Castro, coordenador pedagógico do sistema de ensino da Editora Saraiva , a mudança é eficaz uma vez que visa a diminuir o excesso de conteúdo escolar: "O currículo do Ensino Médio chegou a um patamar que as escolas não têm mais como aumentar suas cargas horárias para cumpri-los integralmente. E esse inchaço se deve à cobrança realizada pela maioria dos processos seletivos para o ingresso ao curso superior. Isso também tem que mudar".
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